O TERAPEUTA DIVINO

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sábado, 30 de junho de 2012

(He)Art by dhr: More on God, Money and Conscience

(He)Art by dhr: More on God, Money and Conscience: The problems that have been dealt with by father Anselm Grün and the former CEO Jochen Zeitz in the book Gott, Geld und Gewissen (see revi...

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Espiritualidade e Missão: Religião e Repressão por Rubem Alves

Religião e Repressão por Rubem Alves

De tudo o que Dostoiévski escreveu em Os irmãos Karamazov; o que mais me impressionou foi o relato sobre o “Grande Inquisidor”. Jesus havia voltado à terra e andava incógnito entre as pessoas. Todos o conheciam e sentiam o seu poder, mas ninguém se atrevia a dizer o seu nome. Não era necessário.

O Grande Inquisidor o observava de longe, no meio da multidão, e ordena que ele seja preso e trazido à sua presença. Então, diante do prisioneiro silencioso ele profere a sua acusação.
Não há nada mais sedutor aos olhos dos homens do que a liberdade de consciência, mas também não há nada mais terrível. E em lugar de pacificar a consciência humana de uma vez por todas, mediante sólidos princípios, tu lhes ofereceste o que há de mais estranho, de mais enigmático, de mais indeterminado, tudo o que ultrapassava as forças humanas, a liberdade.

Agiste, pois, como se não amasses os homens. [...] Em vez de te apoderares da liberdade humana, tu a multiplicaste e, assim fazendo, envenenaste com tormentos a vida do homem, para toda a eternidade...
O Grande Inquisidor estava certo. Ele conhecia o coração dos homens. Os homens dizem amar a liberdade, mas de posse dela são tomados por um grande medo e fogem para abrigos seguros. A liberdade é amedrontadora.

Os homens são pássaros que amam o vôo, mas têm medo de voar. Por isso abandonam o vôo e se protegem em gaiolas.
Não me recordo o nome do autor. Mas não importa. O texto vale por ele mesmo e não pelo nome daquele que o escreveu. Eu o reconto com as minhas palavras.
Havia um bando de patos selvagens que voavam nas alturas. Lá em cima era o vento, o frio, os horizontes sem fim, as madrugadas e os poentes coloridos. Tão lindo! Mas era uma beleza que doía. O cansaço das asas, o não ter casa fixa, o estar sempre voando, as espingardas dos caçadores...

Foi assim que um pato selvagem, olhando lá das alturas para essa terra de anões aqui em baixo, viu um bando de patos domésticos. Estavam tranqüilamente deitados à sombra de uma árvore, poupados do esforço de voar. E havia comida em abundância.

O pato selvagem invejou os patos domésticos e resolveu juntar-se a eles. Disse adeus aos seus companheiros, desceu e passou a viver a vida que pedira a Deus.

E assim viveu por muitos anos até que de novo chegou o tempo da migração dos patos. Eles apareciam, lá no fundo do azul do céu, formações em “V”, grasnando, um grupo após o outro. Aquela visão dos patos em vôo, a memória das alturas, aqueles grasnados de outros tempos começaram a mexer com algum lugar esquecido dentro do pato domesticado.

Uma saudade, uma nostalgia de belezas, o fascínio do perigo e o vazio que se abria... Até que não foi mais possível agüentar. Resolveu voltar a ser pato selvagem. Abriu as asas e bateu-se para voar, como outrora, mas não voou. Caiu, esborrachou-se no chão.

Estava gordo demais. E assim passou o resto de sua vida: em segurança, protegido pelas cercas e triste por não poder voar.
Acho que Fernando Pessoa se sentiu um pouco como o pato. Pelo menos é o que sinto ao ler esse poema:
Ah, quanto vez, na hora suave
Em que não me esqueço,
Vejo passar o vôo de ave
E me entristeço!
Por que é ligeiro, leve, certo
No ar de amavio?
Por que vai sob o céu aberto
Sem um desvio?
Por que ter asas simboliza
A liberdade
Que a vida nega e a alma precisa?
Sei que me invade
Um horror de me ter que cobre
Como uma cheia
Meu coração, e entorna sobre
Minh’alma alheia
Um desejo, não de ser ave,
Mas de poder
Ter não sei quê do vôo suave
Dentro em meu ser.
Somos assim. Sonhamos o vôo, mas tememos as alturas. Para voar é preciso amar o vazio. Porque o vôo só acontece se houver o vazio. O vazio é o espaço da liberdade, a ausência de certezas. Os homens querem voar, mas temem o vazio. Não podem viver sem certezas. Por isso trocam o vôo por gaiolas. As gaiolas são o lugar onde as certezas moram.

É um engano pensar que os homens seriam livres se pudessem, que eles não são livres porque um estranho os engaiolou, que se as portas das gaiolas estivessem abertas eles voariam. A verdade é o oposto. Os homens preferem as gaiolas ao vôo. São eles mesmos que constroem as gaiolas onde passarão as suas vidas.

“Prisioneiro", dize-me, quem foi que fez essa inquebrável corrente que te prende?”, perguntava Tegore. “Fui eu”, disse o prisioneiro, “fui eu que forjei com cuidado esta corrente”.
Deus dá a nostalgia pelo vôo.
As religiões constroem gaiolas.
Quando o vôo se transforma em gaiolas, isso é idolatria.
As religiões são instituições que pretendem haver colocado numa gaiola o pássaro encantado. E não percebem que o pássaro que têm nas suas gaiolas de palavras é um pássaro empalhado.

Era por isso que no Antigo Testamento era proibido falar o nome de Deus. Hoje, ao contrário, os religiosos não só falam o nome sagrado como também escrevem tratados de anatomia e fisiologia divinas. E proclamam que o pássaro só pode ser encontrado dentro das suas gaiolas.
Religiões: uma enorme feira onde se vendem pássaros engaiolados de todos os tipos. Os hereges que as religiões queimam e matam não são assassinos, terroristas, ladrões, adúlteros, pedófilos, corruptos. Esses são pecados de um pássaro engaiolado que precisa ser curado pelo perdão e pelos sacramentos.
Os hereges, ao contrário, são os pássaros que recusam as gaiolas das palavras que os prendem, que falam palavras proibidas. Para esses não há perdão.
Vivi, durante muitos anos, numa gaiola de palavras. Eu gostava dela. Não me sentia engaiolado. Sentia-me protegido. Minha gaiola era minha armadura. Quando as gaiolas são feitas de ferro é fácil perceber a prisão. Os prisioneiros sonham o tempo todo com fugas.
Mas há gaiolas que não são feitas com ferro. São feitas com palavras. As gaiolas de ferro nos prendem por fora. As gaiolas de palavras nos prendem por dentro. Porque as palavras, como dizem as Sagradas Escrituras, se fazem carne.

Eu era a minha gaiola. Quem tenta quebrar uma grade da minha gaiola é como se estivesse arrancando um órgão do meu corpo. Ah, pedaço arrancado de mim... Odeio aqueles que tentam dilacerar-me.
Este livro foi escrito com o propósito de desatar as malhas de palavras que faziam a minha gaiola. Era um tipo de protestantismo a qual dei o nome de Protestantismo da Reta Doutrina.

O Protestantismo da Reta Doutrina é aquele que cuida com zelo especial das palavras certas. Da palavra certa depende a salvação da alma. Quem fala as palavras erradas está condenado ao inferno eterno.
[...]
A obsessão com a verdade que caracteriza isso a que dei o nome de Protestantismo da Reta Doutrina não é coisa típica do protestantismo. Ela se manifesta nas mais variadas formas de associação humana.

A invocação da “verdade” é o instrumento de que se valem os inquisidores, nas suas múltiplas versões, para matar – ou silenciar – aqueles que têm idéias diferentes das suas. Trata-se de uma tentação universal, possivelmente uma variação da tentação original (“... e sereis como Deus”). Dessa tentação não estão livres nem mesmo as instituições científicas, como mostrou Thomas Kuhn, historiador da ciência...
Muita coisa mudou. Entre as mudanças, o tsunami dos “evangélicos”, provocando devastações incalculáveis na Igreja católica e denominações protestantes. Quando o protestantismo clássico veio para o Brasil no século XIX, através do movimento missionário, os protestantes se denominavam “evangélicos” para se distinguirem dos papistas.

Como se dissessem: “O nosso Deus está num livro sagrado inspirado e não na cabeça de um homem”. Por mais de um século, ser evangélico era sinônimo de ser protestante. Hoje, os grupos conhecidos como evangélicos nenhuma relação têm com o protestantismo clássico.
O protestantismo clássico, como o catolicismo, se aproximava de uma filosofia, de uma visão de mundo, do universo, da história. Nessa arquitetura de tempos e espaços havia um problema central: o destino da alma depois a morte.

A teologia cristã ortodoxa se construiu, toda ela, sobre o pressuposto do inferno. Todas as suas doutrinas foram desenvolvidas e só fazem sentido tendo-se o inferno como cenário dominante. Tão importante é a idéia de inferno que Santo Tomás de Aquino afirmou que a visão do inferno faz parte da bem-aventurança de Deus e dos salvos, no céu...
Os grupos “evangélicos” de hoje, ao contrário, não se preocupam com o destino da alma depois da morte. As pessoas não são mais convertidas para serem “salvas”. Elas se convertem para viver melhor esta vida. O que interessa é a vida antes da morte, neste mundo.
O que se busca é a “bênção”. Deus é o poder mágico que, se corretamente manipulado, conserta os estragos que o Diabo faz na vida de cada um. Talvez essa seja a razão para o seu sucesso. Parece que hoje são poucas as pessoas que vivem em função do medo do inferno.

Os horrores desta vida são mais prementes. Como disse Dostoievski, “os homens não estão atrás de Deus. Estão atrás do milagre”. Deus é o poder que faz a vontade dos homens, se as fórmulas mágicas forem usadas segundo a receita.
Todos aqueles que se julgam possuidores da verdade são inquisidores. Leszek Kolakowski, filósofo polonês que viveu sob o comunismo, experimentou isso na sua própria vida. São dele as palavras que transcrevo a seguir:
Falo de consistência em apenas um sentido, limitado à correspondência entre comportamento e pensamento, à harmonia íntima entre princípios gerais e sua aplicação.

Portanto, considero como consistente simplesmente um homem que, possuindo um certo número de conceitos gerais e absolutos, esforça-se honestamente em tudo o que faz, em todas as suas opiniões sobre o que deve ser feito, para manter-se na maior concordância possível com aqueles conceitos.
Por que deveria qualquer pessoa, inflexivelmente convencida da verdade exclusiva dos seu conceitos relativos a qualquer e a todas as questões, estar pronta para tolerar idéias opostas? Que bem ela pode esperar de uma situação em que cada um é livre para expressar opiniões que, segundo o seu julgamento, são patentemente falsas e, portanto, prejudiciais à sociedade?

Por que direito deveria ela abster-se de usar quaisquer meios para atingir o alvo que julga correto? Em outras palavras: consistência total equivale, na prática, ao fanatismo, enquanto a inconsistência é a fonte da tolerância.
[...] Temos de notar que a humanidade tem sobrevivido somente graças à inconsistência [...] a raça das pessoas inconsistentes continua a ser uma das maiores fontes de esperança de que a espécie humana conseguirá, de alguma forma, sobreviver.
Leszek Kolakowski, “Em louvor à inconsistência”.
A tentação dos absolutos é uma característica universal do espírito humano. Todos queremos possuir a verdade. E para possuir a verdade é preciso que se a engaiole. E para engaiolar a verdade é necessário engaiolar a liberdade e o pensamento....


Rubem Alves
Introdução do livro "Religião e Repressão" do Rubem Alves

sexta-feira, 23 de março de 2012

Philokalia

Philokalia

Living an Orthodox Life: Foundational Writings

Living an Orthodox Life: Foundational Writings

ESPIRITUALIDADE CRISTÃ ORIENTAL

Philokalia

Philokalia - Apresentação Geral

ÍNDICE GERAL DE PÁGINAS REFERENTES À PHILOKALIA

Um pequeno livro do final do século XIX, Relatos de um Peregrino Russo, reviveu uma tradição que caía em esquecimento no Ocidente, a tradição da ORAÇÃO DE JESUS OU DO CORAÇÃO. Reviveu também uma coleção de escritos dos padres que a promoveram, especialmente na Igreja Ortodoxa, reunidos sob o nome de Philokalia ("Amor do Belo", em grego).
Existem várias coleções de excertos da Philokalia, algumas inclusive disponíveis online na Internet. Recomendo em especial o pequeno livro de JEAN GOUILLARD, PEQUENA FILOCALIA DA PRECE DO CORAÇÃO que reúne uma amostra excelente de autores da Philokalia clássica e de outros afins. Sua apresentação é suficiente para se ter uma boa ideia do que seja este movimento e esta abençoada tentativa de reunir em uma única obra este acervo espiritual, em grande parte da tradição ortodoxa.
Recomendo consultar as obras sobre este tema em inglês e em francês

A Oração de Jesus é a prece que se apoia integralmente na invocação do Nome de Jesus, seja só ou inserido em uma fórmula mais ou menos elaborada. Trata-se de uma arte espiritual muito apreciada pela tradição ortodoxa de origem bizantina. Um pequeno livreto escrito por um "monge da Igreja do Oriente", que prefere o anonimato, vai nos guiar na sua compreensão, juntamente com o valioso trabalho de elucidação de sua prática, realizado por Alphonse e Rachel Goettman - PRECE DE JESUS — PRECE DO CORAÇÃO.
Recomendo também este clássico medieval Nuvem do Desconhecido, assim como "A PRÁTICA DA PRESENÇA DE DEUS".
A INVOCAÇÃO DO NOME DE JESUS foi uma obra escrita por um monge anônimo da Igreja Oriental que aportou alguns esclarecimentos importantes sobre o sentido da oração de Jesus. Existe uma tradução em português na coleção "A Oração dos Pobres" editada pelas edições Paulinas.
A Arte da Prece é também uma coletânea de ensinamentos dos padres da Philokalia, e de outros da tradição ortodoxa, organizada pelo Padre Chariton do Monastério de Valamo, que merece ser lida e refletida, pela incontestável beleza e importância das indicações oferecidas.
O Conselho aos Ascetas é uma pequena preciosidade de instruções de Teofano o Recluso, que compilou a consagrada Dobrotolubiye, a edição da Philokalia em russo. Recomendo estas obras em inglês sobre a vida, o pensamento e o ensinamento de Teofano.
Os ESCRITOS DA FILOCALIA SOBRE A PRECE DO CORAÇÃO, é a primeira compilação traduzida em inglês, feita a partir da Dobrotolubiye pela Mme Kadoublovsky (secretária de Ouspensky, discípulo de Gurdjieff) e G.E.H. Palmer (também discípulo). É uma seleção muito boa, juntamente com o segundo volume, Primeiros Padres da Philokalia. O maior mérito destas compilações é de aportar a interpretação da tradição ortodoxa russa, aos escritos originalmente gregos da Philokalia.

Seções de Estudo

ESQUEMA GRÁFICO DA OBRA
AUTORES DA OBRA
TERMOS-CHAVES NA PHILOKALIA
PHILOKALIA - MODELO EM CONSTRUÇÃO
ESTUDOS

Obras Afins


Recursos na Internet:

Reúne uma coleção de escritos da Philokalia, traduzidos para o espanhol, além de outros escritos clássicos da tradição cristã, como "O Peregrino Russo".
Reúne uma coleção de ensaios dos grandes nomes da renovação ortodoxa no século XIX, assim como de alguns padres da Philokalia.

Perenialistas

PHILOKALIA E TRADIÇÃO CRISTÃ

segunda-feira, 19 de março de 2012

O IMPOSTO DO TEMPLO

A questão dos impostos não está ausente na Bíblia, porque implica a busca de uma boa convivencia, acarretando uma melhor vida para todos.
Margot Bremer, rscj

Assunção / Economia – O assunto dos impostos é uma questão bem ambígua que se maneja conforme o tipo de governo de cada nação. Como se manejava este tema no Povo de Deus que de algum modo pretendia ser um modelo de convivência?
IMPOSTOS NAS NAÇÕES VIZINHAS DO POVO DE DEUS
Sabe-se que a maioria dos reis do Oriente Médio seguiu o modelo faraônico do Egito que a Bíblia caracteriza com o critério de impostos. Os reis do Egito e de Canaã precisavam servidores públicos especiais, cobradores de impostos bem remunerados para que não fosse muito ao próprio bolso. À custa destes impostos, cobrados dos pequenos agricultores e pastores (pequenos pecuaristas), viviam os grandes, a oligarquia, que não pagava nada. A função dos sacerdotes, remunerados pelo faraó com latifúndios, era manter este status quo mediante uma ideologia religiosa; qualquer tentativa de mudança fosse interpretada como desobediência aos deuses.
Segundo a visão de Israel, o povo do Egito caiu paulatinamente, através dos impostos, na dependência total de seu faraó. Um episódio em Gene 47,13-26 nos relata este processo que ocorreu por ocasião de uma grande fome. O governo faraônico acumulara grandes reservas de trigo, que primeiramente foram vendidas aos seus habitantes; quando o povo já não tinha mais dinheiro, trocaram por seus animais (cavalos, ovelhas, vacas, burros); quando já não tinham mais animais, ofereciam-lhe suas terras e “deste modo o Faraó acabou ficando com toda a terra do Egito” (v. 20), sob a condição de que deveriam entregar ao Estado anualmente a quinta parte de toda a colheita. E deste modo o faraó se tornou proprietário do Egito, seu título o reflete, pois faraó quer dizer casa grande. Infelizmente a população se submeteu à nova situação, oferecendo ao faraó seus “corpos” (trabalho forçado. Esta dependência voluntária é fortemente desmascarada pela Bíblia como mentalidade escravista, pois diante deste abuso faraônico os súditos o reconheceram também como salvador: “Já que vós nos salvastes a vida, aceitai-nos como escravos do Faraó” (v. 25). Jesus, filho e herdeiro dessa consciência profética, resume esta verdade que se repete: “Os reis dos pagãos comportam-se como donos deles, e no momento que os oprimem, fazem-se chamar benfeitores. Vocês não devem ser assim…” (Lc 22,25). Os hebreus no Egito, no entanto, desmascararam o engano faraônico e, ao sofrerem as conseqüências, para estrangeiros duplamente duras, saíram plenamente conscientes deste sistema.
Este episódio nos revela muito sobre a questão dos impostos. Naquela época se contribuía quase sempre sob a forma de produtos agrícolas e gado. É importante a consciência do povo para não se deixar dominar e ser escravizado por impostos. Portanto, Israel, ao ter-se liberado daquele sistema tributário, tentou estabelecer uma outra alternativa.
COMEÇARAM SEM IMPOSTOS
Como formar uma sociedade sem escravizar a população mediante impostos? Isto era a pergunta chave na busca de conformar uma convivência que respeitasse a liberdade e a igualdade de todos. Mediante um projeto alternativo, organizaram-se com estruturas que evitaram reproduzir os esquemas de opressão, dominação, exploração. Inventaram práticas inacreditáveis para assegurar a igualdade e justiça que garantiam o acesso de todos aos bens econômicos como terra e gado. Começaram com uma economia de autoconsumo e escambo. Não havia necessidade de acumulação individual; ao contrário, esta atitude foi recusada (Ex 16, 19-20). Cada um punha em comum seus excedentes, destinados aos mais débeis como viúvas, órfãos e forasteiros.
A fé comum do novo povo num Deus Liberador e Protetor dos pequenos e pobres deu coesão a partir da diversidade cultural de cada tribo, possibilitando a convivência numa estrutura política descentralizada. As decisões eram tomadas em assembléias consentidas em unidades menores como família, clã, tribo. Os juízes coordenavam a sociedade igualitária e sem classes, as vezes denominada a-narquia, onde não há hierarquia. Sua função era encaminhar e reorientar o povo para a plenitude de convivência, compartilhando todos a mesma missão de servir ao povo. Era a excelência de seu serviço a Deus. Os juízes eram conscientes de sua tarefa transitória de encaminhar o povo a estruturas cada vez mais participativas em níveis político, econômico e social. A honestidade foi fundamental para este posto; testemunhado por Samuel, ao despedir-se no final de seu mandato: “Agora, se tiverem algo contra mim, digam-no em presença de Jeová… Levei o boi ou burro de alguém? A quem enganei ou maltratei? Quem me subornou com dinheiro? Que o digam e será restituido. Respondeu o povo: “Nunca fizestes mal a ninguém” (1 Sam 12,3-4).
No entanto, esta classe de convivência sem impostos precisava muita mística em viver a serviço do povo como serviço a Deus (cf. Jos 24, 14-24). Implicava uma renovação permanente em viver somente com o necessário e com uma grande entrega aos demais. Não se mantiveram nesta altura porque não cultivaram bastante aquelas dimensões humanas. A Confederação de Tribos perdeu sua utopia, corrompeu-se; um exemplo é a geração que vem depois de Samuel que “procurava dinheiro, aceitou presentes e violava a justiça” (1 Sam 8, 3). Iniciaram-se confrontos intertribais de concorrência nos níveis político-econômico que refletem o debilitamento da fé em seu projeto alternativo. Um sinal desta corrupção generalizada é o abuso de seus sacerdotes, que exigiram “tributo sagrado”, isto é, parte dos holocaustos que o povo pobre oferecia nos santuários (1 Sam 2, 12-17. 22-26).
IMPOSTOS SOMENTE PARA OS POBRES EVIDENCIAM ABUSO DE PODER
Outra das causas principais daquela desintegração interna foi a introdução do boi, que aumentou a produção agrícola, mas causou uma divisão acentuada em pobres e ricos, já que nem todos tinham esses animais (1). As diferenças econômicas provocaram conflitos e lutas de liderança. Algumas tribos necessitavam proteção dos bens acumulados, enquanto outros, empobrecidos, sem terra, tinham que se oferecer aos ricos como protetores voluntários dos que haviam enriquecido. A essa situação interna acrescenta-se a ameaça externa dos filisteus das cidades do Oeste. Ambos fatores se juntaram e obrigaram a tomar decisões: renovar-se radicalmente ou tomar outro rumo político. Faltavam convicção e fé para fazer uma releitura de seu original projeto alternativo; preferiram copiar as monarquias vizinhas e “ser como os demais povos” (1 Sam 8, 19). Samuel, como último juiz a serviço de seu povo, era também o último guardião da utopia originária, chamando o povo a um discernimento crítico. Profeticamente abriu-lhes os olhos, recordando que os direitos do rei que regiam nos povos vizinhos acabariam destituindo os direitos do pobre, algo próprio e único de Israel (2). Com os direitos do rei mais um exército permanente também entrariam os impostos sob a forma de produtos agrícolas e gado, além do trabalho forçado (leva) (1 Sam 8, 11-17). O povo voltaria para suas origens: “vocês mesmos serão seus escravos (do rei)” (v.18). Acabaria delegando sua liberdade, seu autogoverno, seus bens… a um sistema tributário, do qual não receberia nenhum benefício.
A Bíblia demonstra o lento processo da mudança daquele povo tão alternativo para um Estado tributário qualquer do Oriente Médio. Nem Saul, nem Davi se atreveram a cobrar impostos de seu povo, embora aceitassem presentes (1 Sam 10, 27). Com Salomão é que veio a imposição tributária junto com o trabalho forçado, empobrecendo rapidamente os habitantes do interior. Para esse fim instituiu doze governadores e outro governador central em Jerusalém, dividindo seu Estado em doze províncias, sem respeitar as fronteiras tradicionais dos territórios tribais. Cada província deveria pagar tributo durante um mês para a “mesa do rei” e todos os servidores públicos da capital. Além da cevada e da palha para os cavalos e muares, cada província deveria contribuir diariamente durante um mês com “trinta carregamentos de flor de farinha e sessenta de farinha…, dez bois cevados e vinte bois de pasto, cem cabeças de gado menor, fora os veados, gazelas, gamos e aves cevadas” (1 Re 4, 22-23). Por causa deste abuso de impostos por Salomao copiado do sistema faraônico (1Re 3, 1), o povo nunca podia recuperar sua autonomia política e seu projeto histórico alternativo, mas nunca deixou de sonhar com eles.
A fábula de Jotão sobre as árvores (Jue 9,8-15) sintetiza bem o conflito de impostos. Enquanto houver sentido comunitário para produzir e redistribuir os produtos a todo o povo, assim como ficou demonstrado pela figueira, videira e pela oliveira, não há necessidade de impostos. Mas quando entram a ambição de acumular, o individualismo, a própria improdutividade, etc., então ocorre o abuso com engano e dominação do povo para conseguir impostos: o espinheiro convoca a sua sombra e tem somente espinhos, não produz nada e ainda por cima ameaça devorar com fogo os que não se submeterem a ele. É a crítica literária mais forte ao sistema monárquico-tributário.
JESUS E OS IMPOSTOS
Na época de Jesus o povo tinha que pagar duplos impostos: aos romanos a quarta parte de todos seus rendimentos, e ao templo de Jerusalém, cada sete anos, a totalidade de seus rendimentos anuais. Os Evangelhos nos falam muito sobre este tema.
1. Aparece Zaqueu (Lc 19, 1-10), um publicano que enriquecera com o negócio dos impostos públicos sobre a circulação da mercadoria. Colaborava com o sistema econômico dos romanos e por isso ficava excluído da sociedade judia. Jesus, no entanto, vai a sua casa e come com ele. Esta acolhida produz em Zaqueu uma conversão: “Vou dar a metade de meus bens aos pobres, e restituirei quatro vezes o que roubei” (v.8). De acumulador se transforma em solidário, postura fundamental para voltar a ser Povo de Deus. Zaqueu, ao devolver o roubado ao povo, rompe com a corrente exploradora do sistema imperialista e começa a servir a seu povo.
2. Os mestres da Lei perguntam com má intenção a Jesús se está permitido pagar impostos a Cesar (Mt 22, 15-22). Jesus, descobrindo sua astúcia, pede que lhe mostrem a moeda com que se paga o imposto (v.19) e continua perguntando-lhes de quem são o nome e a cara gravados nesta moeda. Eles lhe respondem: de Cesar. Assim caíram em sua própria armadilha porque, pretendendo ser modelos de pureza, não deveriam levar consigo a moeda de um Império que explora seu próprio povo com impostos.
3. Outro texto evidencia que Jesus e sua comunidade pagaram impostos ao templo (Mt 17, 24-27), mas não por convicção, senão “para não escandalizar essas pessoas” (v. 27). Jesus pergunta a Pedro quem são os que pagam impostos: os filhos ou os estranhos. Ao responder que os estranhos, Jesus lhe diz que portanto os filhos não devem pagar. No entanto, manda-o pescar e retirar do primeiro peixe uma moeda para pagar os impostos de Pedro e Jesus. Com isso quer dizer que o templo deve ser gratuito como o peixe.
CONCLUSÃO
A questão dos impostos não está ausente na Bíblia, porque implica a busca de uma boa convivência para todos. Quando a tributação está administrada por pessoas honestas, transparentes e a serviço de seu povo, então é uma bênção para as pessoas, assim o demonstra Samuel. Mas também pode ser uma maldição quando cai em mãos de grupos ou pessoas ambiciosas, que se aproveitam dos bens do povo, abusando deles para fins próprios.
Os impostos são um esplêndido critério no discernimento por um Bom ou Mau Governo: ou está a serviço de seu povo demonstrando-o com uma respeitosa e justa redistribuição, ou se serve do povo, vivendo às suas custas, enganando e ameaçando como o espinheiro na fábula de Jotão.
A Bíblia não trata a questão da porcentagem segundo a renda per capita porque ela sempre luta por uma sociedade igualitária, sem pobres e sem ricos, sendo fiel ao sentido comunitário, o que ela chama de JUSTIÇA.
(1) A desigualdade provocada pela introdução do boi reflete nas leis em relação ao boi. Também deve-se ver o bezerro de ouro (Ex 32) como uma retroprojeção desta divisão do povo e a solução que deu Jeroboão I com a colocação de dois bois nos dois santuários Betel e Dão no reino Norte para impedir a peregrinação de seu povo ao templo de Jerusalém no reino Sul (1 Re 12, 26-33).
(2) Antes os pobres foram privilegiados com mais direitos para assim manter o equilíbrio social e econômico que podia suprimir os impostos.
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Margot Bremer, rscj. Membro do Conselho de Redação da revista Acción, Paraguai, www.cepag.org.py

quinta-feira, 15 de março de 2012

A TEMERIDADE DO PECADOR!



A temeridade do pecador e o dia do Juízo



Videbunt Filium hominis venientem in nube cum potestate magna et maiestate – “Verão o Filho do homem que virá sobre uma nuvem com grande poder e majestade” (Luc. 21, 27).

Sumário. Uma consideração séria nos ensina que não há atualmente no mundo pessoa mais desprezada de que Jesus Cristo; pois é injuriado tão continuamente e com tão desenfreada liberdade, como não o seria o mais vil dos homens. Eis porque o Senhor destinou um dia, no qual virá, com grande poder e majestade, a reivindicar a sua honra. Recorramos agora ao trono da divina misericórdia, para que naquele dia não sejamos condenados pela justiça de Deus.

I. Considerando bem, não há no mundo atualmente quem seja mais desprezado que Jesus Cristo. Trata-se com mais consideração um aldeão ao ver-se por demais ofendido incessantemente e de caso pensado, como se não pudesse vingar-se quando quisesse. Por isso o Senhor marcou um dia (chamado com razão, na Escritura Sagrada, o dia do Senhor, Dies Domini), quando vai dar-se a conhecer tal como é: Cognoscetur Dominis iudicia faciens (1). Diz São Bernardo, explicando este texto: O Senhor será conhecido quando vier a fazer justiça, ao passo que agora, porque quer usar de misericórdia, é
desconhecido. Então esse dia não mais se chama de misericórdia e de perdão, senão dia de ira, dia de tribulação e de angústia, dia de calamidade e de miséria (2).
Conforme nos ensina o Evangelho de hoje, esse dia será precedido de sinais pavorosos. “Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas; na terra os povos estarão angustiados sob o rugido surdo e confuso do mar e das ondas; os homens morrerão com medo dos males que hão de vir sobre o mundo. Por fim, as virtudes dos céus (isto é, na interpretação dos Padres, os nove coros dos Anjos) se comoverão, e então se verá aparecer sobre as nuvens o filho do homem, com grande poder e majestade”, a reivindicar a glória que os pecadores nesta terra lhe quiseram tirar.

Diz Santo Thomaz: “Se, no horto de Gethsemani, com as palavras de Jesus Cristo: Ego sum, caíram por terra todos os soldados que o tinham vindo prender, que será, quando Jesus, sentado para julgar, disser aos condenados: “Aqui estou, sou eu aquele a quem tanto haveis desprezado”...; que será quando pronunciar contra eles a sentença eterna: “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno! –Discedite a me, maledicti, in ignem aeternum! (3)”

II. O dia do Juízo, assim como será para os réprobos um dia de pena e de terror, será, ao contrário, para os escolhidos um dia de regozijo e triunfo; porque, então, à vista de todos os homens, as suas beatas almas serão proclamadas rainhas do paraíso e feitas esposas do Cordeiro imaculado. Oh! Que ventura experimentarão os bem-aventurados, quando Jesus, voltando-se para a direita, lhes disser: “Vinde, meus benditos filhos, vinde possuir o reino dos céus que vos foi preparado: possidete paratum vobis regnum!

Irmão meu, o que será de ti naquele dia? São Jerônimo, quando passava os dias na Gruta de Belém, em continuas orações e mortificações, tremia só em pensar no Juízo universal. O venerável P. Juvenal Ancina, lembrando-se do Juízo ao ouvir cantar a seqüência da Missa de defuntos, Dies irae, dies illa, deixou o mundo e fez-se religioso. E tu, o que fazes para mereceres no dia do Juízo as bênçãos divinas, em companhia dos escolhidos?

Com o intuito de nos preparar para o Santo Natal, a Igreja propõe hoje o Juízo à nossa meditação. Sabendo que Nosso Senhor, na sua primeira vinda, apareceu num trono de graça e que na segunda aparecerá num trono de justiça rigorosíssima, quer que procuremos agora recorrer a Jesus afim de experimentarmos os efeitos de sua infinita misericórdia. Aproximemo-nos com confiança do trono de graça: Adeamus ergo cum fidúcia ad thronum gratiae (4).
Ah! Jesus meu e meu Redentor, Vós que um dia haveis de ser o meu juiz: perdoa-me antes que chegue esse dia. Agora, sois meu Pai, e como tal recebeis na vossa graça um filho que, arrependido, se prostra a vossos pés. Meu Pai, eu Vos amo de todo o meu coração e no futuro não me quero mais afastar de Vós, não quero mais ter a temeridade de voltar a ofender-Vos.

Mas já que conheceis a minha fraqueza, ajudai-me com a vossa graça. “Excitai, Senhor, o vosso poder e vinde em meu auxílio, afim de que, mediante a vossa proteção, livrado dos perigos iminentes por causa de meus pecados, mereça ser salvo por Vós.” (5) Fazei-o pelo amor de Maria Santíssima. (*II 113.)
1. Sal. 9, 17.
2. Soph 1, 15.
3. Mat 25, 41
4. Hebr. 4, 16.
5. Or. Dom. curr.
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 7- 9.)
Fonte: São Pio V


Não nos enganemos:"O juízo começa pela Casa de Deus!"
I Pedro 4,17